Homenagem

Gabo y nosotros

Do NE10
Do NE10
Publicado em 17/04/2014 às 19:57
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Jornalistas do portal narram suas experiências pessoais com o escritor / Foto: divulgação

Jornalistas do portal narram suas experiências pessoais com o escritor Foto: divulgação

O jornalismo nos presenteou Gabo. Ou foi o contrário? Pouco importa agora, quando o nome do prêmio Nobel de Literatura figura em todos os noticiários e redes sociais. Morreu Gabriel García Márquez, o pai de todos os Buendía. O escritor latinoamericano mais talentoso e amado. Mais intimamente, morreu nosso colega de profissão. Os editores do Portal NE10 Inês Calado, Gustavo Belarmino e Julliana de Melo tiveram a oportunidade de conhecer o escritor e conviver com ele em situações solenes e de descontração, quando foram premiados pela Fundação Nuevo Periodismo (FNPI), instituição criada pelo próprio para reconhecer e estimular o jornalismo de qualidade na América Latina. Assim conheceram um pouco da personalidade ímpar deste grande homem que vai ficar para sempre em nossas memórias. Confira algumas destas recordações:

Por Julliana de Melo

É da redação, em pleno plantão na véspera do feriado da Semana Santa, que escrevo minha última homenagem a Gabo. Exatamente aquela que eu jamais gostaria de fazer. Entre lágrimas e lembranças, faço uma pequena pausa no trabalho para agradecer e contar o que vivi ao lado deste senhor, que tinha o poder mágico de silenciar ou, antagonicamente, causar alvoroço em qualquer lugar que estivesse presente. E tenho certeza que ele detestava as duas situações. Porque tinha consciência do que era e do que representava, mas não nutria paixão pela fama.



Tive a oportunidade de conviver com Gabo três vezes - em 2005, 2007 e 2008. No primeiro contato, como finalista do prêmio FNPI, não sabia falar nada em espanhol. Mas ouvia atentamente, até o ponto de ficar com dor de cabeça, cada palavra dita nas palestras e cerimônias, que contaram com a presença do escritor. Tinha levado um presente para ele, uma xilogravura de J.Borges, e comprado o recém-lançado Memória de Minhas Putas Tristes, para ele autografar. Não sabia se era acessível ou se iria participar de todos os encontros. Então, na primeira oportunidade, driblei a multidão e o abordei. 'Gabo, un regalo para ti'. Ele arregalou os olhos e sorriu. Entregou o pacote à alguém, que não lembro quem era, e perguntou o que era que eu estava segurando na outra mão. 'Ah.. és un regalo para mí'. Perguntou se eu tinha uma caneta e brincou quando ela falhou. 'Pero esto no és un bolígrafo!', provocando risos ao nosso redor. Mal sabia que mais tarde, após a premiação, iria dançar com ele em um puteiro no centro de Monterrey, no México. E de par de jarro!!!



Mais uma vez pude compartilhar de seu diálogo bem humorado e ácido, quando perguntei se ele poderia dançar cumbia comigo. Perguntou por que eu queria dançar com ele. Disse que sabia que era um excelente bailarino. Ele sorriu outra vez e disse para eu pedir permissão a sua esposa. Mercedes Barcha nem terminou de ouvir o meu pedido e fez sinal com as mãos de que estava tudo bem. Eu dancei com Gabo. E nunca vou me esquecer disso.




Em 2007, voltei a Monterrey como ganhadora do prêmio e já falando um portunhol de certo respeito. Revi os amigos que fiz na FNPI e, outra vez, García Márquez estava presente. Sabia que era um privilégio porque ele não gostava de aparições públicas e sua saúde já inspirava cuidados. Mas ele estava lá, assistindo a algumas apresentações e debates, autografando livros e mais livros. Levei, desta vez, a edição em português de Do amor e outros demônios. Antes de assinar, ele folheu a capa e contracapa e elogiou a edição. Na premiação, fez questão de me parabenizar com um beijo. E me surpreendeu outra vez sentando ao meu lado no encontro com os ganhadores. Fiquei muda por um bom tempo, ensaiando algumas palavras na minha cabeça para falar com ele, até que percebi que ele roncava baixinho.



Em 2008, desta vez como ganhadora de um trabalho de equipe em uma edição especial do prêmio, pude compartilhar de um grande encontro de García Márquez com velhos companheiros de profissão. Tenho vídeos de alguns diálogos (só não tive como achar todos agora). Pérolas do jornalismo.

 

E fotos, muitas fotos. Como esta do beijo que lhe retribuí. Ele, mais uma vez, sorriu. Gargalhou até. Disse que eu beijava com o nariz. Não, Gabo, eu beijava com a alma. A alma de uma eterna (fã e) jornalista aprendiz.

Por Gustavo Belarmino

Era 2007 e o fato de eu não saber falar espanhol me deixava mais apreensivo do que a possibilidade de conhecer Gabriel García Márquez. As angústias, no entanto, eram complementares. Naquela edição do Prêmio Nuevo Periodismo eu teria a missão de explicar para um público composto de jornalistas de toda a América Latina - no meu mais perfeito portunhol - o trabalho que teria me levado até ali. E Gabo estaria sentado à mesa.










Quase perdi o sono nas noites que antecederam a mesa redonda. O nervosismo foi tão grande que nem lembro do momento que comecei a falar. Recordei uma das palavras que havia decorado para ganhar simpatizantes na plateia - cachorro de chivo - e mostrei a foto de Inês carregando um filhote de bode. Gabo riu. Pedi permissão e segui em um português lento, apoiado por imagens, a apresentação. O tempo que antecedeu essa 'conversa' foi maior do que os eternos 20 ou 30 minutos que segui falando. Depois daquele momento foram mais três ou quatro encontros: a foto oficial com todos os participantes, uma noite de autógrafos e um jantar, quando fiz a foto que ilustra essa lembrança. Gabriel falou que não gostava do Brasil. Retruquei de algum jeito. Não sei o que falávamos exatamente nesse momento. Mas vou saber sempre que esse sorriso foi para mim.

Por Inês Calado


Meu encontro com Gabo, como carinhosamente o chamamos, foi bem inusitado. Em 2008, no almoço com os jornalistas premiados, tive a honra de sentar ao seu lado. Não sabia o que falar. Na verdade, todos tentavam esconder o nervosismo, mas era impossível. Estávamos na mesa com Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel de Literatura, escritor do romance mais lindo que já li, O amor nos tempos do cólera.








A certa altura, tive contato, depois de fazer umas perguntas sem sentido, com um Gabo irritado. Bateu a mão na mesa, tirou o aparelho do ouvido e disse: 'Pronto, não ouço e não falo mais'. Ele tinha licença poética para aquela impaciência diante de admiradores encabulados com ele à mesa. Ah, depois descobri que a dedicatória em meu livro 'Para a mais alta flor' era uma marca sua. A de Ju foi exatamente assim. Mas para mim é única. Para Gabriel García Márquez eu era uma flor. E ninguém pode dizer o contrário. Senão, bato na mesa.

 

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