Som da Pele

É possível sentir a música sem ouvi-la? Surdos provam que sim

Mariana Dantas
Mariana Dantas
Publicado em 25/11/2015 às 20:30
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Uma vez por semana, jovens com deficiência auditiva se reúnem para tocar ritmos da cultura popular / Foto: Luiz Pessoa/NE10

Uma vez por semana, jovens com deficiência auditiva se reúnem para tocar ritmos da cultura popular Foto: Luiz Pessoa/NE10

No curta-metragem “O Resto é Silêncio” (2003), dirigido por Paulo Halm, o protagonista é um garoto surdo que gosta de frequentar uma loja de disco só para observar os movimentos e as expressões das pessoas que ouvem música nos fones disponíveis no estabelecimento. Seu desejo era descobrir as sensações daquelas pessoas. Mas é possível “sentir” a música sem ouvi-la? O filme instigou o músico e professor Irton Silva, mais conhecido como Batman Griô, a buscar a resposta. E foi assim que surgiu, em 2009, no Recife, o projeto Som da Pele - pioneiro no Nordeste na música participativa com pessoas surdas.
 
“A música não é para ser ouvida. É para ser sentida. Ao aprender a tocar um instrumento, os surdos têm a oportunidade de descobrir as sensações que a música proporciona”, explica Batman Griô, que atualmente desenvolve o projeto com alunos e ex-alunos da Escola Municipal Severina Lira, no bairro da Tamarineira, no Recife. A iniciativa conta com o apoio do Serviço Social do Comércio (Sesc). Uma vez por semana, sempre às quartas-feiras, nove jovens entre 15 e 19 anos, todos com deficiência auditiva, se reúnem na escola para aprender a tocar os ritmos da cultura popular, como maracatu, samba, frevo e ciranda.


  
Para a jovem Maria Eduarda Oliveira Monteiro, 16 anos, tocar um instrumento de percussão parecia algo impossível. “Achava bonito as pessoas tocando, mas não imaginava que também poderia aprender. No início, achei difícil, mas, aos poucos, comecei a gostar e hoje sinto a música no coração. É uma prova de que todos nós somos capazes”, afirma.
 
O aluno Rubem Paulo Rosas, 16, guarda na memória o dia em que o grupo da escola realizou sua primeira apresentação, no início deste ano, em um shopping da cidade. “Lembro da sensação de felicidade que senti no palco e, por isso, quero continuar aprendendo. Quando estou tocando alfaia, consigo sentir a vibração do instrumento”, afirma. 
 
Para ensinar música aos surdos, Batman Griô utiliza a linguagem de sinais (Libras). Alguns dos sinais foram criados por ele para distinguir as notações musicais que compõem o ritmo. O professor também desenvolveu um sistema de luzes chamado de “Metrônomo Visual”. O equipamento possui um sequenciador eletrônico e uma combinação de lâmpadas - de várias cores e tamanhos. As lâmpadas acendem no tempo e sequência determinados pelo professor, representando a estrutura de um compasso musical.
 
Luiz Pessoa/NE10
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“Quando a lâmpada branca acende, por exemplo, os alunos sabem que precisam ‘tocar forte’; a verde já representa o toque contínuo, mais fraco. E assim vamos introduzindo lâmpadas de outras cores e tamanhos. Também trabalhamos a pausa musical”, explica Batman. Para cada batida no tambor ou na alfaia, os alunos precisam observar atentamente o acender e apagar das luzes. E, como mágica, a música surge dentro da pequena sala da escola municipal.
 
BATUQUEIROS DO SILÊNCIO – Desde quando foi criado em 2009, o projeto Som da Pele já promoveu aulas em vários locais do Recife, entre escolas e instituições. A iniciativa deu tão certo que alunos mais antigos formaram o Grupo Batuqueiros do Silêncio.

O grupo realiza várias apresentações em Pernambuco e em outros estados do País. “Muitas pessoas assistem aos shows sem saber que os músicos são surdos. E ficam impressionados quando descobrem”, afirma Batman. O sucesso é mais um incentivo para os alunos da Escola Severina Lira, que, em breve, poderão fazer parte do grupo.

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