Clássico do rock

O tédio, a apatia e a revolta sem sentido de Nevermind, 25 anos depois

Wladmir Paulino
Wladmir Paulino
Publicado em 23/09/2016 às 20:51
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Clássico do Nirvana completa 25 anos e ficou marcado como o retrato de uma geração. / Foto: Reprodução.

Clássico do Nirvana completa 25 anos e ficou marcado como o retrato de uma geração. Foto: Reprodução.

É assim que começa Nevermind, aquele álbum que recebeu os seguintes clichês: clássico, definitivo, marco de uma geração, início de uma era (e fim de outra, consequentemente) e por aí vai. E o melhor de tudo é que, realmente, o segundo trabalho do Nirvana é tudo isso mesmo. Lançado oficialmente no dia 24 de setembro de 1991 essa barulhenta coleção de canções é um dos casos difíceis de ser sucesso entre críticos e o público. E o conseguiu, até onde se sabe, sem 'se vender'. As letras variavam entre a acidez, o sarcasmo e o sombrio bem ao que se passava na cabeça do principal compositor, o guitarrista e vocalista Kurt Cobain, que tirou a própria vida, e consequentemente da banda, em abril de 1994. As melodias, por mais punk que fossem, traziam um invariável tempero pop. É daqueles discos que se houve batendo cabeça ou faz o ouvindo sair assobiando os riffs pela rua. Por isso vamos dissecar um pouco o álbum faixa a faixa e trazendo alguns exemplos, fora da música, do que Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl (se alguém ainda não sabe é aquele mesmo do Foo Fighters):

1. Smells Like Teen Spirit
A introdução que você viu e ouviu ali em cima é de uma das maiores canções de rock de todos os tempos. A revista norte-americana Rolling Stone a colocou em 9º lugar numa lista de 500. O próprio Cobain disse que queria fazer algo parecido com os Pixies. Quando o guitarrista a levou para os companheiros haviam o riff principal e o refrão ("with the lights out, it's less dangerous..."). Depois de repetir o riff exaustivamente, Novoselic sugeriu que baixassem um pouco a barulheira e criou a parte mais suave com a linha de baixo. Por isso, no disco, os três são creditadores como autores da canção. A letra intrincada, parece, à primeira vista, uma colagem de palavras, mas trata-se de uma autocrítica à individualista e, na ótica do músico, sem objetivo, Geração X, à qual ele mesmo pertencia. "Eu me sinto estúpido e contagioso/Aqui estamos, agora nos entretenha", berra ele no refrão.

Ver também: Curtindo a Vida Adoidado 

2. In Bloom
A ironia do Nirvana atinge seu próprio público. Ou melhor, parte dos fãs que começaram a seguir a banda depois do pequeno sucesso do álbum de estreia, Bleach (1989). Na verdade, a crítica era para as pessoas que achavam bonito ser alternativo e iam aos shows da banda apenas para fazer parte de uma cena. Por isso o refrão diz: "Ele é aquele que gosta de todas as nossas músicas bonitas, e ele gosta de cantar junto/E ele gosta de atirar com sua arma/Mas ele não sabe o que significa/Não sabe o que significa, e eu digo". O clipe da música adiciona imagens à música mostrando a banda num programa típico dos anos 60 executando a música para uma plateia de garotas histéricas, que provavelmente pouco ou quase nada ouviam, já que estavam mais preocupadas em berrar.

Grohl, Cobain e Novoselic criaram um disco-referência.

Grohl, Cobain e Novoselic criaram um disco-referência.Foto:

3. Come As You Are
Na letra, Kurt canta sobre expectativa e realidade em relação às pessoas "Venha como você é, como você era/Como eu quero que você seja, como um amigo/Como um amigo, como um velho inimigo". E como consequência disso, a aceitação: "Venha mergulhado em lama/Embebido em água sanitária". A canção também apresenta um dos mais longos solos de Cobain - ele era pouco afeito a pirotecnias guitarrísticas, preferindo ir direto ao ponto. E, sem dúvida, tornou-se a canção mais polêmica do álbum por conta do famoso riff. Há quem garanta que seja um plágio de Eighties, do Killing Joke. Apesar da reclamação pública o Killing não abriu processo. Até porque, posteriormente, descobriu-se outra música com um andamento semelhante, Life Goes On, do Danmed, de 1982. Ficou o dito pelo não dito. Come... foi o segundo maior sucesso de Nevermind.

A repórter do JC Trânsito, Mayra Cavalcanti, gravou sua versão para Come As You Are. Se você toca alguma música do Nevermind mande o vídeo pra gente!

4. Breed
O título da música já diz tudo: procriar. E tudo que engloba esse verbo. A canção trata de desprezo a essas convenções da vida de adulto, ainda que se esteja velho. "Não me importo se estou velho", diz no início. Funciona como se o locutor estivesse conversando com a parceira sobre os planos para o futuro e não querer seguir o roteiro dos pais. Kurt até brinca com o ditado 'Plantar uma árvore, construir uma casa' invertendo os verbos: "Podemos planar uma casa/Podemos construir uma árvore". Ao que ouve em resposta: "Poderíamos fazer os três (casa, árvore, filhos)/Ela disse".

Ver também: Vida de Adulto 

5. Lithium
Talvez a música mais autobiográfica de Nevermind. Com extrema crueza, Kurt Cobain descreve o que se passa na cabeça de um maníaco-depressivo. Apesar de o lítio ser um metal alcalino ele é manufaturado para se tornar um medicamento para tratamento de quem sofre desse transtorno tanto na fase de mania quanto na de depressão. Na letra ele fala de amigos que estão em sua cabeça, se confessa feio, assustado e solitário. No fim acende uma vela porque encontrou Deus, sugerindo suicídio. Na estrofe seguinte, o locutor garante que está empolga e excitado - uma das manifestações da fase maníaca é o desejo sexual fora de controle. No refrão, as contradições da cabeça de Cobain continuam com "Eu amo você/Eu matei você", todas entremeadas por um "Não vou pirar".

Ver também: Mr. Jones

6. Polly
Assim como a música que encerra Nevermind (Something In The Way) é o mais próximo do que podemos chamar de balada no álbum. Polly é uma canção antiga, composta por Kurt em 1988. Por ser mais lenta ele não a incluiu em Bleach. Inicialmente, chamava-se Hitchhiker e depois Cracker. Mas embora o andamento seja lento, a letra é pura violência. E sexual. A inspiração do cantor e guitarrista veio após ler uma matéria de jornal em que um homem chamado Gerald Arthur Friend sequestrou, torturou e estuprou uma adolescente de 14 anos. Só que na música do Nirvana o narrador é o algoz. Ele já começa provocando na primeira estrofe: "Polly wants a cracker"/Polly quer biscoito, alusão à famosa frase que os donos de papagaio dizem para a ave repetir como se fosse a armadilha que a vítima caiu. A consumação da agressão vem logo a seguir com "I think I should get off of her first"/Acho que tenho que sair de cima dela primeiro. Segue-se a tortura com "I think she wants some water / to put out the blow torch" / Aacho que ela quer um pouco de água / para apagar o maçarico.

7. Territorial Pissings
De acordo com o próprio Kurt Cobain a música é uma crítica ao machismo - para vocês verem que o tema já era abordado dessa forma há bem mais tempo. O título, Urinadas Territoriais - escrevemos 'urinadas' mas o termo em português é um pouco mais forte - remete a algumas espécies animais que marcam o território urinando. "No reino animal, o macho geralmente mija em certas áreas para determinar seu território. Às vezes vejo uns machões reagindo dessa mesma maneira em relação a sexo e poder", disse. A música começa o riff nervoso e a batida de Grohl lembrando uma metralhadora. Ao contrário de quase todas as músicas anteriores do disco, Territorial não varia entre forte e suave, é peso e velocidade até o fim, bem punk.

8. Drain You
Não tem a urgência das músicas mais pesadas do disco. Por isso detalha bem uma história de amor onde uma garota se declara para outra. Mas de uma forma bem 'nirvânica' de ser, com direito a sugestões escatológicas (Mastigo sua carne pra você/Atravesso tudo num beijo apaixonado) e medicinais (E agora é minha missão, drenar você completamente/Uma viagem através de um tubo e termina na sua infecção).

Ouvir também: Daniel na Cova dos Leões 

9. Lounge Act
Uma típica canção pop-punk, com riff simples mas daqueles que grudam na sua cabeça já na primeira audição. Músicas com essa pegada seriam muito bem ampliadas e exploradas por bandas como Green Day e Offspring poucos anos depois. A temática da letra é mantida no campo amoroso, assim como a anterior (Drain You). Mas aqui o Nirvana foi bem menos agressivo ao tratar de traição nos dois lados - do traidor e do traído.

10. Stay Away
A banda usou bem esse jogo de palavras que, e princípio, podem ser interpretados como sem sentido, mas a intenção aqui é de apenas reclamar de tudo. Outra música que remete ao comportamento da geração dos músicos. Pode até ser entendida como um complemento, no tema abordado, a Semells Like Teen Spirit. A velocidade que é ainda maior com Grohl e Novoselic abrindo a cena para a entrada da guitarra e vocais desesperados de Kurt. No fim, a bateria dá a impressão de que algo está desmoronando.

11. On a Plain
Kurt Cobain 'tira uma onda' com o ouvinte. Kurt fala de um monte de coisa para no fim não chegar a conclusão alguma. No primeiro verso ele já avisa o que vem por aí: "Vou dar início a isto sem nenhuma palavra". Na abertura da última estrofe ele diz que "Agora é hora de complicar/De escrever linhas que não fazem sentido". Talvez pelas reações do corpo ao estar a vários metros de altitude, já que a música se chama No Avião. Foi a primeira música do álbum a ser gravada.

12. Something In The Way
È mais lenta que Polly e tão tensa quanto. A diferença é que a letra aqui, é autobigráfica. Durante um tempo em sua adolescência, o problemático Cobain morou com o pai, a mãe - divorciaram-se quando ele tinha oito anos - tios e amigos. De galho em galho terminou passando um período nas ruas de Aberdeen, sua cidade natal e dormia sob uma ponte. O frontman do Nirvana gravou sozinho com o violão e os outros instrumentos foram acrescentados depois. A letra praticamente sussurrada por Kurt e o violoncelo dãp o tom de abandono e solidão.

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